Terminamos o mês de março com três marcos singulares.
Celebra-se, desde 1911, no dia 8, o Dia Internacional da Mulher. Muito antes da Organização das Nações Unidas ter sido criada, um movimento antes incipiente de grupos de mulheres em países europeus se consolidou e lançou a data para defender o direito das mulheres de trabalhar, votar, receber educação paritária, ter direito a trabalhar no setor público e lutar contra a discriminação.
Celebra-se também em março, mas, no dia 20, o Dia dos Cuidadores, os profissionais da área de saúde que apoiam as famílias na tarefa de cuidar de um idoso.
E, no início do mês, observamos com inquietude o primeiro ano desde que o novo coronavírus chegou ao país. Parece que já foi há muito mais tempo, correto? Para mim, pelo menos, a sensação é de que foi há muito, muito mais tempo.
Todos esses marcos estão entrelaçados. Gostaria, portanto, nesta coluna, na virada para o mês de abril de fazer uma ode às mulheres.
Já no início da pandemia eu previ que seu impacto seria muito maior para as mulheres, sobretudo por ser delas, majoritariamente, o encargo de cuidar. A bem da verdade, o dia 21 de março deveria ser o Dia das Cuidadoras, assim, no feminino.
A pandemia, de imediato, levou a uma perda do trabalho da mulher, já que a maioria dos informais são do sexo feminino. Não só isso, subitamente as mães de crianças menores se viram impossibilitadas de manterem-se na força de trabalho. Com a suspensão do ensino presencial nas escolas de todo o Brasil alguém, em casa, tinha que delas cuidar. Muitas já o faziam sozinhas, por serem mães sem a presença de um pai. Outras assumiram também o encargo de cuidar de pais, avós ou do esposo — mais velho, com frequência, ele próprio, com problemas de saúde. Os casos de violência doméstica aumentaram Brasil afora, em todas as classes sociais.
Mas elas seguiram em frente com sua missão de cuidar — imposta ou voluntária. É como se, em uníssono, dissessem: “Não tem mesmo outro jeito”.
Lúcia, Rosilene, Jeicy e Eulene: meu obrigado
Eu bem sei do que estou falando e queria registrar aqui um agradecimento pessoal. No fim de dezembro, minha mãe, minha Rainha, Lourdes partiu. Longeva, do alto de seus bem vividos 102 anos.
Ela própria havia sempre sido uma cuidadora esmerada. Quando eu penso em inspiração, trabalhando há tantas décadas no tema do envelhecimento e na importância de abraçarmos uma cultura do cuidado, sei onde buscá-la: na minha infância, quando fui tão bem cuidado, nos anos finais do meu pai, de quem ela tão bem cuidou e no privilégio de ter envelhecido tendo-a ao meu lado.
E me valho de Drummond cujo poema “Mãe” assim termina:
“... Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
– mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
Mãe ficará sempre
Junto de seu filho
E ele, velho embora,
Será pequenino
Feito grão de milho”
E que conforto eu tenho de poder dizer que à minha Lourdes, nada faltou.
Foi-se, como uma chama que pouco a pouco expira. Debilitada, frágil, com um estágio avançado de Doença de Alzheimer – até o último suspiro, tranquila.
E extraordinariamente bem cuidada por uma equipe competente, dedicada e carinhosa. Não as deixarei no anonimato.
Lúcia, Rosilene, Jeicy e Eulene: vocês foram minhas heroínas neste ano difícil. E que meu reconhecimento não fique apenas em palavras, mas em dar-lhes apoio para seguir suas jornadas, quantas vezes priorizando aqueles de quem vocês cuidam à frente de suas próprias famílias.
Meu obrigado. Sem vocês, eu não teria podido seguir trabalhando, com paz de espírito, sabendo que ela estava em tão boas mãos.
Cuidar de quem cuida... quantas vezes a gente se esquece disso!